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27 de maio de 2012

Autoajuda no ensino da Administração


Eu tenho total desapreço pelo o que se classificam como autoajuda. Não acredito em fórmulas mágicas, “os 7 passos para o sucesso”, ou que, se você pensar positivamente aquilo que quer, o universo “conspirará a seu favor”.

Em um texto em 2009, eu escrevi sobre uma, dentre as várias falácias da autoajuda: o viés confirmatório. Ou seja, você (ser humano) sempre buscará fontes que confirmem aquilo que acredita, mesmo estando errado. Se uma pessoa inspirada escreve ou diz algo sobre como ter sucesso, muito provavelmente ela esteja sendo vítima dessa falácia; as pessoas que seguirem seus passos, não terão o sucesso garantido conforme elas afirmam.


Se autoajuda somente figurasse entre os livros dedicados às pessoas como indivíduos, “tudo bem”; se você é ingênuo o suficiente para dar créditos à eles, o problema ainda é só seu. No entanto, infelizmente essa onda também é muito impregnada ao mundo corporativo; creio que muitas vezes iludindo os estudantes de como é ser um administrador, e deixando em segundo plano, as técnicas que ele realmente precisará com muito trabalhado duro, para tentar alcançar algo.

Um recente post do blog AutoAtrapalha, dedicado a discutir sobre as “armadilhas da autoajuda”, discorreu sobre o autoajuda nas organizações. Muitas empresas dedicam tempo, dinheiro, recursos, para trazer um palestrante motivacional, que durante uma hora e meia, discursa "como a vida é bela e precisa ser vivida"; "como alcançar seus sonhos"; "como amar seus colegas"; e segundo o artigo, nada ou quase nada entendem de vendas, balanços, marketing, planejamento estratégico ou cadeia de suprimentos, por exemplo. Ao sair da palestra, é como receber uma injeção de ânimo: tudo é lindo; tudo vai mudar a partir de agora. No outro dia, parece desaparecer tudo aquilo, e a vida no trabalho volta a mesma coisa, e o pior, com os problemas ainda persistindo: vendas caindo, clientes insatisfeitos, fornecedores atrasados, etc.  

No ensino da administração, as coisas não são muito diferentes. Eu me lembro que logo no primeiro ano da faculdade, muito se falava sobre os "líderes vencedores", como os funcionários se sentiam bem trabalhando nessas empresas, como era tudo perfeito. Eu me lembro de uma história assim: perguntaram para uma funcionária que trabalhava nos serviços gerais de uma grande e importante organização, sobre o que ela fazia na empresa, qual a sua contribuição; ela, varrendo o chão, não titubeou ao declarar a missão da empresa! Eu sei que os professores falaram isso em sala de aula muito provavelmente para reforçar o conceito que toda a organização, e não só o alto escalão, devem ter sobre a missão. Por outro lado, vamos encarar de fato as coisas: a história serve muito mais como “motivação” de como construir uma organização vencedora, que realmente a discussão profunda dos aspectos relacionados a administração. E tinha muito mais histórias: era o vendedor de frutas que conseguiu construir um supermercado; era o camelô que abriu uma grande rede varejista, etc.

Dois pontos sobre isso: 1) somente contar boas histórias de sucesso, sem a discussão sobre como a pessoa conquistou, que técnicas gerenciais utilizou, torna-se um tanto vago; é aquele efeito: o estudante anima-se com a administração, mas no outro dia volta a sua velha rotina e dificuldades de sempre; 2) quantos feirantes e camelôs você conhece que deu certo? Esses são os pontos fora da curva, e estudá-los e utilizá-los como modelos de administração, não é adequado. Ao contrário, deve-se estudar a média, o que 99% da turma irão encontrar como dificuldade nas carreiras nas organizações. Por favor, deixem a autoajuda apenas no campo individual (se um pedido desse pode ser considerado bom).

Para finalizar, ilustro esse texto com um emblemático diálogo entre o Chaves e o Quico. Chaves estava saindo da vila devido a uma dívida, e Quico não hesitou “motivar” o amigo com uma linda história:

Quico: - Chaves, não fique triste, você irá conseguir dinheiro. Por que você não começa um negócio como engraxate? Eu conheço um homem que ficou milionário começando como engraxate!
Chaves: - Sério? Como isso aconteceu?
Quico: - Bom, esse homem comprou uma caixa de engraxate, juntou dinheiro, e comprou outra caixa de engraxate e conseguiu um ajudante! Depois de um tempo, ele comprou mais outra caixa de engraxate e mais um ajudante. Não muito tempo depois ele comprou mais uma caixa de engraxate, e contratou um terceiro ajudante! Depois de mais um tempo ainda, o homem comprou um bilhete de loteria, foi sorteado, e ficou milionário!

Risadas a parte, perceba que o homem da história trabalhou duro, e é esse trajeto que as histórias dos professores devem permear, e não o simples fato dele ter sido “engraxate e hoje um milionário” que apesar de motivacional e um teor de "ele era engraxate e conseguiu vencer, você poderá conseguir muito mais", os aspectos relvantes da administração que devem ser ressaltados.

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